domingo, julho 10, 2005

HOMENAGEM À FLIP

VERSO, REVERSO, CONTROVERSO (Augusto de Campos)

Assim como há gente que tem medo do novo, há gente que tem medo do antigo. Eu defenderei até a morte o novo por causa do antigo e até a vida o antigo por causa do novo. O antigo que foi novo é tão novo como o mais novo. O que é preciso é saber discerni-lo no meio das velhacas velharias que nos inspiraram durante tanto tempo.
“Como uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?” (Fernando Pessoa)
A minha maneira de amá-los é traduzi-los. Ou degluti-los, segundo a Lei Antropofágica de Oswald de Andrade; só me interessa o que não é meu. Tradução para mim é persona. Quase heterônimo. Entrar dentro da pele do fingidor para refingir tudo de novo, dor por dor, som por som, cor por cor. Por isso nunca me propus traduzir tudo. Só aquilo que sinto. Só aquilo que minto. Ou que minto que sinto, como diria, ainda uma vez. Pessoa em sua própria persona.
Outrossim, ou antes, outronão: tradução é crítica, como viu Pound melhor do que ninguém. Uma das melhores formas de crítica. Ou pelo menos a única verdadeiramente criativa, quando ela – a tradução – é criativa.
(...) A poesia é uma família dispersa de náufragos bracejando no tempo e no espaço. Tento reunir aqui alguns de seus raros sobreviventes, dos que me falam mais de perto: os que lutaram sob uma bandeira e um lema radicais – a invenção e o rigor. Os intraduzidos e os intraduzíveis. Os que alargaram o verso e o fizeram controverso, para chegar ao reverso.
(...) A poesia, por definição, não tem pátria. Ou melhor, tem uma pátria maior. “Um Oriente ao oriente do oriente.” Mas se disserem que tudo isso não tem nada a ver com “as nossas raízes”, é outra mentira. Um dia, um dedo, um dado dizem o contrário. É isso. Ovo novo no velho. “Fui-o outrora agora.”

Gosto muito dos irmãos Campos. O texto que apresentei é o prefácio escrito por Ausgusto de Campos em seu livro VERSO, REVERSO, CONTROVERSO. Selecionei uma poesia "metafísica" desse livro, pois é um estilo que me atrai. A visão de Augusto sobre os metafísicos é bem interessante: "A fantasia imaginativa dos "metafísicos" pode chegar a incríveis descobertas e até à proeza de poetizar aquilo que é aparentemente impoetizável".

A DEFINIÇÃO DO AMOR (Andrew Marvell: 1621-1676)

O meu Amor nasceu tão raro
Como de alta qualidade:
Gerado pelo desespero
Sobre uma Impossibilidade.

Só o Desespero pôde um dia
Mostrar-me tão divino céu,
Que a Esperança vã adia
Com sua Asa de Ouropel.

Eu poderia chegar lá
Onde a minha Alma se perdeu
Se não pusesse a Sorte má
Cunhas de Ferro entre ele e eu.

É que a invejosa Sorte ao ver
Amantes tão perfeitos teme
Depor ante um mais alto leme
O seu Tirânico poder.

Por isso seu Decreto de Aço
Como dois Pólos nos fez sós
(Embora o Amor como um compasso
Circunde o mundo todo em nós),

A menos que o Céu oco caia,
A Terra perca o seu Império
E o Globo inteiro se contraia
Para nós dois em Planisfério.

Devíamos ser como aquelas
Linhas oblíquas num abraço,
Mas somos estas Paralelas
Infinitas no espaço.

Assim, o Amor que nos faz sê-las
E a Sorte aparta injustamente
É a Conjunção da nossa Mente
E a Oposição das Estrelas.
(tradução de Augusto de Campos)

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