quinta-feira, novembro 17, 2005

UMA PROSA ENTRE PSICANÁLISE E POESIA


A partir da idéia, posta em prática na clínica psicanalítica, de que, uma vez que o homem está habitado pela linguagem, não há correspondência entre o significante e a Coisa, o que se segue, forçosamente, é que o final do tratamento não leva a cernir a Coisa com o significante.
Assim sendo, o final do tratamento está relacionado com efeitos de criação, se valendo do valor poético da linguagem, ou seja, do valor alusivo, metafórico, metonímico, da ambiguidade, do que se revela escondendo ou do que se oculta mesmo sendo escancarado.
No final do tratamento, o analisante é poeta, no sentido em que faz poemas de sua vida. Não necessariamente faz poemas profissionalmente, mas, o analisado, liberado dos efeitos de gozo de sua criação significante (que é seu sintoma), pode poetar graças à lingua que ganha um novo uso não codificado. O homem adoece pelo maltrato que faz à linguagem. A cura vem do bom trato.
A poesia, como diz François Cheng, “é uma explicação órfica da terra”. No mito de Orfeu e Eurídice, aquele – Orfeu – vai até os infernos e recupera, mas perde logo em seguida, sua amada Eurídice. Na poesia há algo que se recupera e que imediatamente é perdido porque a poesia não é exprimir uma coisa ou verdade essencial, ela é apenas dizer e nenhum dizer fecha a significação. Desta forma, o que é recuperado está carregado de infinito e aponta para o indizível.
Ora, a psicanálise também aponta para o indizível e para esse ponto de indecidibilidade.
O psicanalista não poderia ser um poema, porque este já está escrito. Ser poeta, ao contrário, implica a possibilidade de escrever poemas. De escrever. De fazer poiesis, de dizer primeiro, inauguralmente, longe das convenções significantes.
Se fazer poeta de sua própria vida é uma saída da análise.

Da Conferência de Carlos Genaro, professor do IPLA

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