sábado, julho 05, 2014

BRUTA FLOR DO QUERER

Letícia Genesini escreveu um artigo para a newsletter do IPLA: Bruta flor do querer
Os homens do século XXI querem Amélias ou mulheres independentes? O assunto bombou na internet nesta semana. A questão do amor, diz Letícia , não se coloca nesses termos.

Leia o artigo:

No último dia 18 o site do Estadão publicou o artigo de sua blogueira Ruth Manus intitulado “A incrível geração de mulheres que foi criada para ser tudo o que o homem NÃO quer” (sic). Imediatamente seguido de uma longa série de elogios e críticas, o polêmico post aponta uma suposta dissonância de uma geração em que as mulheres foram criadas “para ganhar o mundo”, enquanto os homens dessa mesma geração ainda querem Amélias.

Ela abre o artigo enumerando uma série de atributos da mulher moderna que, como ela segue dizendo, seria exatamente aquilo que um homem não quer.  “
Às vezes me flagro imaginando um homem hipotético que descreva assim a mulher dos seus sonhos: ‘Ela tem que trabalhar e estudar muito, ter uma caixa de e-mails sempre lotada. Os pés devem ter calos e bolhas porque ela anda muito com sapatos de salto, pra lá e pra cá. Ela deve ser independente e fazer o que ela bem entende com o próprio salário: comprar uma bolsa cara, doar para um projeto social, fazer uma viagem sozinha pelo leste europeu. Precisa dirigir bem e entender de imposto de renda. Cozinhar? Não precisa! Tem um certo charme em errar até no arroz. Não precisa ser sarada, porque não dá tempo de fazer tudo o que ela faz e malhar. Mas acima de tudo: ela tem que ser segura de si e não querer depender de mim, nem de ninguém.’ Pois é. Ainda não ouvi esse discurso de nenhum homem. Nem mesmo parte dele. Vai ver que é por isso que estou solteira aqui, na luta.”

Muitos artigos e alguns deboches vieram em resposta a este desabafo velado de crítica, e entre defesas e acusações calorosas, a repercussão foi mais dissonante do que a questão em si. Como bem haveria de ser, pois para além da crítica social, está aí um problema muito mais insolúvel, o amor.

A problemática maior não está na dissonância em si, mas em acreditar que o encontro do amor se dá por acharmos no mundo exatamente aquilo que procuramos. Ou mesmo que o amor é uma resposta que conquistamos por merecimento diante de todas nossas infinitas qualidades que finalmente foram reconhecidas por alguém. Mas amor não é algo que se mereça – pode-se enumerar a mais extensa bula de qualidades e dotes, e a dissonância, sinto lhe dizer, vai persistir.

Isto porque, como dizia Lacan, “Amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer”. Falando cinco línguas ou cozinhando uma jantar de cinco pratos, o encontro não é feito com o que temos de mão cheia – este já nos basta – mas sim o que estamos em falta. Não somos amados por aquilo que somos, mas pela falta que reconhecemos em nós mesmos, e que inconveniente colocamos no outro.

Nem Frida Khalo, nem Amélia. Ninguém é a mulher que o homem quer. Não há como encontrar “a mais justa adequação”, pois como diz Caetano, “a vida é real e de viés”. O ser amado não é a realização da nossa fantasia, é nossa pedra no sapato, o incômodo que nos tira do eixo e nos desestabiliza, nos impulsionando para frente – ainda bem. 

Letícia Genesini é escritora, designer e corredora aficcionada. Publicou os livros de poesia "umponto" e "entre" pela editora 7letras. Siga-a no Instagram: @fit_let

Nenhum comentário: