Amar alguém é se expor à possibilidade de uma perda importante que nem a natureza, nem os céus, nem as estátuas heroicas salvam. Jorge Forbes analisa neste texto quatro tempos do amor.
Por favor, não desapareça
Jorge Forbes
Temos vivido muitas perdas. Sofremos
mais pelo desaparecimento de quem amamos, do que pela nossa própria morte. É
estranho o amor humano. Somos conscientes de que aquela pessoa que amamos pode
deixar de existir a qualquer momento e, no entanto, amamos!, salvo raras e
desonrosas exceções. Jacques Lacan dizia que era necessário ser um pouco bobo
na vida. Que “os não tolos erram” – é mesmo o nome de um de seus seminários –
pois se quisermos ser de tudo precavidos, vamos vagar perdidos em desamor.
No decorrer dos séculos viemos
estabelecendo formas de nos conformarmos – sempre imperfeitamente – ao
desaparecimento de quem gostamos. Luc Ferry, o filósofo que frequentou
recentemente essas páginas comigo, discorreu sobre grandes períodos da história
filosófica, a esse respeito. Primeiro, tivemos uma concepção cósmica (natural)
da existência. Seríamos seres naturais, da mesma natureza das frutas, por
exemplo, e como elas cumpriríamos um ciclo de vida. Se laranjas, maçãs e
melancias têm o seu ciclo, nós também. Para os gregos, os homens seriam pré-catalogados
em categorias como as dos senhores, guerreiros, artesãos, escravos, mulheres e
crianças. Categorias estanques, como as frutas também o são. A morte, como se
dizia – e ainda se diz – seria simplesmente “natural”, cumprindo a etapa final
de nosso destino.
Essa visão cósmica da nossa morte
foi substituída pela ideia religiosa, com duas vantagens: a de passarmos a sermos
todos iguais, não estanques, perante um deus, e, mais importante, não morrermos
para virar semente, como na primeira concepção, mas para irmos para uma segunda
e mais plena vida, a vida eterna. Tenho ouvido com frequência, em meu
consultório, a fantasia de pessoas que não querem ser cremadas, para não
aparecerem no Juízo Final, em um cinzeiro... É claro que essa visão religiosa é
muito mais sedutora que a visão cósmica, razão pela qual ter vigorado por bem
mais tempo que a primeira.
A visão religiosa foi substituída
pela ideia racional de finitude, datada a partir do fim do Século XVII, começo
do XVIII. O Homem, decepcionado com os deuses, saiu do aconchego celestial e
começou a preconizar que as nossas vidas seriam prolongadas nas histórias que
depois contariam a nosso respeito. Como escreveu um ditador brasileiro: sair da
vida deveria ser entrar na história. Ou seja, virar herói.
Todas essas visões foram postas
radicalmente em questão no início do século passado, a partir de uma influência
maior, a de Nietzsche com a sua
desconstrução de todos os ideais. O amor não teria um além. Só se pode amar o
que é agora, pois o ontem não é mais, e o amanhã não é ainda.
Como estamos hoje com as nossas
perdas, que infelizmente têm se sucedido com frequência aumentada? As três
concepções: cósmica, religiosa e racional não desapareceram, mas persistem, mesmo que não sejam mais os ideários
dominantes. Com frequência buscamos ainda nos consolar nelas, ao mesmo tempo em
que, como dizia ao iniciar, no fundo, no fundo, sabemos que amar alguém é se
expor a uma perda importante que nem a natureza, nem os céus, nem as estátuas
heroicas vão nos salvar. Vai ver que por isso é que Steve Jobs, na esteira de
Lacan, deu o conselho que ficou famoso, aos seus jovens afilhados formados em
Stanford: Stay Hungry, Stay Foolish!
Jorge Forbes é psicanalista. Artigo publicado na revista
IstoÉ Gente, setembro de 2014.
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