Ser feliz dá um
trabalho danado, chega até a assustar, mas não mata não. (Jorge Forbes)
Está todo mundo deprimido, a felicidade foi
embora.
Se em uma reunião pudéssemos fazer raios-X das bolsas e dos bolsos,
encontraríamos, entre os gêneros de primeira portabilidade, comprimidos de
antidepressivos. O que antes tinha emprego discreto, hoje virou conversa de
salão. Discute-se qual medicamento cada um toma, como reagiu, há quanto tempo,
se o genérico substitui bem o oficial e por aí vai. E se a fala corre solta,
sem o comedimento anterior, é porque uma forte propaganda convenceu muita gente
de que a depressão é uma doença como outra qualquer, como quebrar o braço em um
acidente ou contrair malária. Essa propaganda de fortes coloridos interesseiros
da indústria farmacêutica, associada a uma medicina que se orgulha em ser
baseada em evidências – aquela em que o médico não dá um passo sem pedir um monte
de exames – veiculou a ideia de que você não tem nada a ver com a sua
depressão, que os sentimentos são cientificamente mensuráveis e, em
decorrência, controláveis.
Sobre isso, Heiddeger contava uma história
engraçada. Dizia que um cientista afoito em provar suas teses de medição da
felicidade e da tristeza, começou a visitar os velórios de sua cidade
carregando tubos de ensaio, nos quais recolhia a quantidade de lágrimas que
viúvos vertem a cada três minutos. Podemos imaginar a cena!
Mutadis mutandis, se alguém já viu um
interrogatório desses que querem medir o estado depressivo – com algumas nobres
exceções - verá que é difícil escapar de ser tachado de doente, quando
perguntas como essas lhe são dirigidas, simultaneamente: -“Você tem dormido
pouco, ultimamente?”, ou: -“Você tem dormido muito, ultimamente?”.
Por que essa euforia da depressão? Será mesmo,
como muitos respondem, por uma desregulação dos níveis do neurotransmissor
serotonina? A serotonina ficou até popular, todo mundo fala dela como do colesterol.
Ela é íntima. Agora, por que a serotonina ficou alterada de repente em tanta
gente? Alguma epidemia viral de vírus anti-serotonina ou coisa que o valha? Não
parece.
Prefiro pensar que se há muita depressão – lato
sensu – é porque sofremos uma revolução dos parâmetros que atuam na formação da
identidade. Na saída da sociedade moderna para a pós-moderna, não temos mais
termômetros de certo e errado que serviam para as pessoas se orientarem se
estavam bem ou mal. Com o fim desse maniqueísmo, nossos tempos exigem maior
responsabilidade individual no seu bem estar. Aí, muitos fraquejam. Dou um
exemplo simples: uma pessoa cruza com um conhecido na rua e o cumprimenta. O
outro não responde e segue seu caminho. Qual a primeira pergunta que vem na
cabeça de quem fez o cumprimento? O que vem é: -“O que foi que eu fiz?”, no
sentido de uma bobagem que ele teria cometido motivo da falta de resposta ao
cumprimento. Quando a identidade, como nesse caso, titubeia, ela se regenera,
paradoxalmente, na auto-depreciação. Daí para se sentir deprimido é um pequeno
passo. E, para complementar a receita, como estamos na época da medicalização
da vida, na qual se acredita que para tudo tem remédio, pronto, tasca
antidepressivo nele.
Triste tempo esse, realmente, em que tentam
dessubjetivar a responsabilidade pessoal frente aos sentimentos. Mas não vai
funcionar, como nunca funcionou na história da humanidade quando já tentaram
amordaçar o desejo humano.
Ser feliz dá um trabalho danado, chega até a
assustar, mas não mata não.
Jorge Forbes
Texto
publicado originalmente na revista Gente IstoÉ – setembro 2013
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