Alain Mouzat responde ao artigo num texto em que reflete sobre a posição da psicanálise em relação ao autismo e dialoga com um jornalista-pai de autista: Psicanálise e autismo.
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A polarização do debate sobre o autismo e a psicanálise, alimentada pela produção de um filme antipsicanalítico mal-intencionado na França, ecoou no Brasil. O texto publicado em 17 de março na Folha de S. Paulo, por Luiz Fernando Vianna nos interpela e relança a questão: o que a psicanálise tem a dizer? E um pai de um filho autista?
Um texto que começa falando da vergonha própria, sem rodeios
nem jogos de encenação, exige o máximo respeito. De todos, mas principalmente
dos psicanalistas.. Assim, o texto de Luiz Fernando Vianna, publicado na Ilustríssima de
17 de março me atropelou literalmente, pela qualidade da palavra que
estampa o desejo que a anima a dizer o que é. O que é o autismo para um pai de um filho autista.
“Vergonha, luto e culpa”, enumera ele, são três afetos avassaladores, mas que têm de ser reconhecidos para poder se confrontar com o peso do real sem disfarces. Para um pai de autista, mas também para qualquer filhote do homem que nasce condicionado pela linguagem e pelas relações sociais.
A “indignação” desse pai está longe do sentimento confortável das críticas de salão bem intencionadas, politicamente corretas, contra os políticos corruptos e as mazelas que afligem a sociedade. A indignação dele é a recusa do encarceramento do autismo nos discursos pré-formados, de uns e de outros, que não resistem minimamente à sua experiência.A sua indignação é o seu desejo de fazer reconhecer o singular de sua experiência, de não deixar diluir no universal da doença do “autismo” seu filho autista.Ele não ignora nenhum dos pontos em que se articula o debate atualmente. Assim, por exemplo, a questão da origem da doença. Ele resolve rapidamente sua posição: o autismo tem uma origem genética mal identificada, em razão da multiplicidade dos genes envolvidos. No contrapé dos debates – a favor ou contra uma origem biológica ou da influência ou não do meio – ele não dá peso ao assunto. A recente introdução da dimensão epigenética na biologia não deixa de lhe dar razão: ela ameaça mandar esse debate para a lata do lixo das discussões ultrapassadas. A partir de sua vivência, um pai de autista não tem nada a acrescentar. Para ele a questão não está aí. O conhecimento das causas pode por certo providenciar futuras esperanças, mas esse pai de autista não se sustenta nisso.Da querela dos psicanalistas e dos comportamentalistas, L. F. Vianna, fala de experiência própria, já tentou os dois. Nenhum traz respostas. Dos psicanalistas, ele aponta por um lado a ineficiência, mas particularmente a incapacidade de responder pelo que fazem, vestindo sua ignorância de uma neblina entendida. Dos comportamentalistas, ele aponta a ignorância do sujeito.Esse julgamento a partir da própria vivência lhe é confirmado pelo filme Le Mur, panfleto antipsicanálise produzido na França, do qual ele faz uma análise lúcida: má fé da diretora, mas também incompetência dos psicanalistas em responder claramente. Para nós, aliás, sobra a pergunta: afinal, a psicanálise tem de trazer uma resposta ao autismo?O pragmatismo – no melhor sentido, no sentido que Lacan falava da experiência da psiquiatria inglesa durante a guerra como “uma relação verdadeira com o real” – de um pai vivendo a experiência do autismo do filho parece ainda mais claro na sua posição em relação aos discursos comuns. Luiz Fernando Vianna não fica passivo frente aos preconceitos na sociedade. Ele tampouco esperar solução das medidas legais, sempre orientadas pelas melhores intenções, mas sem consequências. Ele sabe se localizar nos discursos oriundos da esfera autística: ele reconhece o que trazem os livros de autistas “geniais” sem alimentar esperanças desmedidas, e particularmente se revolta contra o “politicamente correto” que, positivando o autismo, pretende convencer que se trata de um presente do Céu.Não penso que a psicanálise ofereça uma resposta ao “autismo”. A psicanálise não trata “doença”, ela oferece uma via aos sintomas subjetivos, permitindo à pessoa se confrontar com seu real sem máscara nem concessões. O que esse pai de filho autista, no que seu artigo dá testemunho, parece ter conseguido.
(Alain Mouzat)