domingo, dezembro 09, 2012

A Psicanálise, a mulher, a interpretação: Françoise Dolto - por Jorge Forbes


O encontro com um psicanalista não é sem consequências. Vejam este belo relato de Jorge Forbes:



O que vou lhes contar ocorreu na Maison Verte, instituição parisiense de acolhimento de crianças de zero a três anos, criada pela psicanalista Françoise Dolto. Quando na juventude de minha formação psicanalítica, tive a oportunidade de passar algumas tardes naquele local, acompanhando o trabalho de Dolto, já, então, ícone da psicanálise dita infantil.
 Em uma tarde, um casal relativamente jovem chegou para a consulta com cara de desespero. Traziam um bebê nos braços, o qual aparentava uma fraqueza importante. Deveria ter uns três ou quatro meses de vida.
 Dolto, cheia de atenção vigilante e afetuosa, ficou sabendo dos pais que ao desespero diante da criança que não comia, razão por estar esquálida, somava-se a preocupação com o desemprego do pai, a sobrecarga da mãe, e as contas que não fechavam no mês.
 Assisti, em seguida, Françoise Dolto se dirigir diretamente ao bebê, sem qualquer atenção ao fator compreensão, e lhe explicar, olhos nos olhos, que ela, Dolto, entendia muito bem que ele não quisesse comer, uma vez que sua chegada poderia ser pensada como em má hora, e que o melhor talvez fosse desaparecer. Contestou, no entanto, afirmando que ele estava enganado, pois sendo tão querido e esperado, sua morte precoce retiraria dos seus pais o único efetivo alento naquele momento difícil de vida. E assim se despediu dos três – filho, mãe e pai – marcando um retorno para a semana seguinte. Quando saíram, Dolto me disse: “Você vai ver só o que vai acontecer”.
 No segundo encontro, confirmando a previsão da analista, eram outras pessoas que estavam ali. O bebê estava comendo, e bem.
 Ao final do atendimento, a doutora me falou: “Você viu como os bebês falam? Você viu a prova?”. Aí, para mim, foi demais. Com a delicadeza devida, contestei que não era que bebês falassem, mas que – como Lacan havia demonstrado no estádio do espelho... – ao falar com o bebê, ela estava realmente falando a seus pais que, por conseguinte, tinham mudado sua posição e possibilitado a alteração sintomática.
 Dolto não me deixou avançar muito em minha peroração: “Sim, sim – me retorquiu – eu também conheço o ‘seu Lacan’ e bastante bem. Além de companheiros de toda uma vida, somos mesmo muito amigos. Agora, que ele o diga com o espelho, é interessante, quanto a mim, digo e mostro – como você viu – que os bebês compreendem e sabem falar”.
 Pano rápido.


(Jorge Forbes)

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