sexta-feira, maio 15, 2009

DICIONÁRIO AMOROSO


Abraço: o gesto do abraço apaixonado parece preencher, num momento, para o sujeito, o sonho da união total com o ser amado.

Acanhamento: cena entre vários, na qual o implícito da relação de amor age como um constrangimento e suscita um embaraço coletivo de que ninguém fala.

Adorável: não conseguindo atribuir um nome à especialidad do seu desejo pelo ser amado, o sujeito apaixonado decide-se por esta palavra um pouco tola: adorável!

"Não é todos os dias que encontramos o que foi feito para nos dar a imagem exata do nosso desejo" (Lacan: O seminário, I)

Afirmação: perante e contra tudo, o sujeito afirma o amor como valor.

Angústia: o sujeito apaixonado, por esta ou aquela contingência, sente-se arrastado pelo medo de um perigo, de um mal, de um abandono, de uma alteração - sentimento que exprime sob o nome de angústia.

Anulação: sopro de linguagem durante o qual o sujeito acaba por anular o objeto amado sob o volume do próprio amor - por uma perversão especificamente apaixonada, é o amor que o sujeito ama, não o objeto.

Atopos: o ser amado é reconhecido pelo sujeito apaixonado como "atopos" (qualificação dada a Sócrates pelos seus interlocutores), isto é, inclassificável, de uma originalidade sempre imprevista.

Ausência: todo episódio de linguagem que põe em cena a ausência do objeto amado - quaisquer que sejam a causa e a duração - e tende a transformar essa ausência em prova de abandono.

Carta: a figura incide sobre a dialética particular da carta de amor, simultaneamente vazia (codificada) e expressiva (enriquecida da necessidade de significar o desejo).

Chorar: propensão particular do sujeito apaixonado para chorar: modos de aparecimento e função das lágrimas nesse sujeito.

Ciúme: "sentimento que nasce do amor e que é produzido pelo receio de que a pessoa amada prefirao outro" (Littré)

Compreender: vendo de repente o episódio de amor como um nó de razões inexplicáveis e de soluções bloqueadas, o sujeito exclama: "Quero compreender ( o que está acontecendo comigo)!"

Contatos: a figura diz respeito a todo o discurso interior suscitado por um contato furtivo com o corpo (e mais precisamente com a pele) do ser desejado.

Coração: esta palavra vale por todas as espécies de movimentos e desejos, mas o que é constante é que o coração se constitui em objeto de um dom - ignorado ou rejeitado.

Declaração: propensão do sujeito paixonado para falar abundantemente, numa emoção contida, com o ser amado do seu amor, dele, de si, de ambos - a declaração não incide sobre o testemunho do amor, mas sobre a forma, infinitamente comentada, da relação de amor.

Dedicatória: episódio da linguagem que acompanha todo o presente de amor, real ou projetado, e, mais genericamente, todo gesto, efetivo ou interior, pelo qual o sujeito dedica qualquer coisa ao ser amado.

Dependência: figura onde se vê a condição específica do sujeito apaixonado, escravo do objeto amado.

Despertar: modos vários em que se encontra, ao despertar, o sujeito apaixonado, reinvestido no desejo da sua paixão.

Destruir-se: sopro de aniquilamento que afeta o sujeito apaixonado, por desespero ou por saturação.

Encontro: a figura refere-se aos momentos felizes que imediatamente se seguiram ao primeiro encantamento, antes de nascerem as dificuldades da relação de amor.

Escrever: enganos, debates e impasses a que dá lugar o desejo de "exprimir" o sentimento de amor numa "criação" (especialmente da escrita).

Espera: tumulto de angústia suscitado pela espera do ser amado, devido pequenos atrasos (encontros, telefonemas, cartas, regressos).

Eu-amo-te: a figura não se refere à declaração de amor, à confissão, mas à proferição repetida do grito de amor.

Exílio: decidindo renunciar ao estado de amor, o sujeito vê-se com tristeza exilado do seu Imaginário.

Fading: prova dolorosa segundo a qual o ser amado parece retirar-se de todo o contato sem que esta indiferença enigmática se volte contra o sujeito apaixonado ou se decida em benefício do outro, seja ele quem for, mundo ou rival.

Festa: o sujeito apaixonado vive todo o encontro com o ser amado como uma festa.

Identificação: o sujeito identifica-se dolorosamente com qualquer pessoa (ou personagem) que ocupe na estrutura de amor a mesma posição que ele.

Indução: o ser amado é desejado porque alguém lhe mostrou que ele é desejável - por muito especial que seja, o desejo de amor descobre-se por indução.

"A beleza é a fonte necessária do nascimento do amor; predispõe-nos para a paixão pelos elogios que ouvimos dar a quem iremos amar"(Stendhal: De l'amour).

Insuportável: o sentimento de uma acumulação de sofrimentos de amor explode neste grito - "Isto não pode continuar."

Languidez: estado sutil do desejo de amor, experimentado na ausência deste, foa de todo o querer-para-si.

Louco: o sujeito apaixonado é atravessado pela idéia de que está ou vai ficar louco.

Magia: consultas mágicas, pequenos ritos secretos e ações de voto não estão ausentes da vida do sujeito apaixonado, seja qual for a cultura a que pertença.

Mutismo: o sujeito apaixonado angustia-se quando o objeto amado responde perniciosamente, ou não responde, às palavras (discurso ou cartas) que ele lhe dirige.

Nuvens: sentido e utlização de sombreamento do humor que atinge o sujeito apaixonado graças a circunstâncias várias.

Objetos: todo o objeto tocado pelo corpo do ser amado torna-se parte desse mesmo corpo e o sujeito sente-se apaixonadamente atraído por ele.

Porquê: ao mesmo tempo que se interrroga obcecadamente por que motivo não pe amado, o sujeito apaixonado vive com a convição de que, na verdade, o objeto amado o ama mas não o diz.

Sedução: episódio tido por inicial (embora possa ser reconstituido depois) no decurso so qual o sujeito apaixonado se sente "seduzido" (capturado e encantado) pela imagem do objeto amado (nome popular: amor à primeira vista; nome sábio: paixão).

Verdade: todo o episódio de linguagem relacionado com a "sensação de verdade" que o sujeito apaixonado experimenta ao pensar no seu amor, quer julque ser o único a ver o objeto amado "na sua verdade", quer defina a especialidade da sua própria exigência como uma verdade à qual não pode ceder.

(textos de "Fragmentos de um discurso amoroso", de Roland Barthes).

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