quinta-feira, julho 02, 2015

A FESTA LITERÁRIA DE PARATY


A cada ano, durante a FLIP, Paraty se transforma em festa. Festa da literatura. E quem não gosta? Na Flip, expressão da pós-modernidade, os laços sociais se misturam. Autores e leitores, jornalistas, editores, pensadores, intelectuais, observadores, todos se encontram e se entrelaçam – não é uma feira, é uma festa. Livrarias superlotadas, eventos em vários locais, a tenda dos autores com ingressos disputados, poesia e música na praça – dão o tom.

Neste ano o autor homenageado é Mário de Andrade, um dos maiores intelectuais do século XX. Escritor – poeta e romancista, músico – crítico musical e folclorista, gestor e agitador cultural, foi “trezentos, trezentos e cinquenta”, como ele disse num poema. Um dos criadores da Semana de Arte Moderna, em 1922 – um marco na literatura brasileira, foi também um crítico do modernismo.

A Festa Literária de Paraty começou na quarta-feira, 1º de julho, com a mesa “As margens de Mário” apresentada por três conferencistas. Beatriz Sarlo traçou um paralelo entre as gerações modernistas do Brasil e da Argentina na década de 1920. Eliane Robert Moraes concentrou-se na erótica do autor. Eduardo Jardim, que acaba de lançar a primeira biografia de Mário – “Eu sou trezentos” – falou da multiplicidade do autor, enfatizando sua atuação como agitador e gestor cultural. A questão da sexualidade de Mário de Andrade esteve presente o tempo todo, como se fosse determinante em sua obra. Pena! É importante lembrar que a opção sexual não determina a escrita.

Que a escrita convoque as mais íntimas pulsões, ninguém duvida, desde Freud. Mas as relações não são simples: o século XIX – assim podemos ler até a sublimação em Freud – pensa muitas vezes a relação em termos de energética: o gasto do sêmen é prejudicial à criação literária, como o dizia, com crueza, Flaubert. O trato da sexualidade obedecia a um ideal de poupança burguesa que também comandou a condenação do onanismo por motivo de desperdício. O amor, em contrapartida parece um elemento essencial para o acesso à poesia.

Mas da ligação entre desejo e escrita, seria legítimo deduzir que a sexualidade do homem explica a obra? Sem dúvida não. O que há na obra, na qual se reconhece algum eco de uma dimensão poética da linguagem, o ressoar das palavras, é toda a oferenda ao outro de uma intimidade mais secreta, na qual a nossa se encontra com ela mesma. E é disso que é feito o gozo do texto.

Como diz Mário,
(...) “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.”

A festa está começando. Que a FLIP 2015 esteja à altura do seu homenageado!

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