Letícia, corredora aficcionada, escreveu um texto muito sensível, tocada que foi pela tragédia que interrompeu a maratona de Boston 2013:
Linha de chegada interrompida
Nesta última semana, em respostas às explosões que
interromperam a maratona de Boston, corredores aficionados postaram em seus
blogs e fan pages a famosa citação de Kathrine Switzer: 'If you
are losing faith in human nature, go out and watch a marathon.' (“Se você está
perdendo sua fé na natureza humana, vá ver uma maratona”).
De fato, há algo na maratona capaz de reunir, a cada
evento, anos após ano, milhares de
pessoas inexplicavelmente dispostas a se colocarem à prova em uma corrida de
mais de 42km. São pessoas determinadas a ir muito além do que é pedido delas, a
fim de descobrir o que elas são capazes de conquistar. Mais do que um evento ou
uma competição esportiva, a maratona é um teste do espírito humano.
As competições de atletismo tem um elemento a mais,
presente em todos outros esportes, mas que aqui encontra seu cerne: o desejo. Ninguém
vence uma corrida por ficar tocando a bola pra ver o cronômetro correr. Não é
possível fingir uma falta ou discutir se a bola foi dentro ou fora. A única
coisa que se pede aqui é que se tente ir mais longe. Não existe outra opção ou
nova saída: não há como vencer sem o desejo de vencer.
Não é por outro motivo que o símbolo da maratona de Boston
é um unicórnio: a figura mitológica que representa aquilo que se ambiciona, mas
que nunca pode ser alcançado. “É nesta
busca que atletas competidores podem se aproximar da excelência (mas nunca
atingi-la completamente). É nesta ambição de se impulsionar ao seu próprio limite
e ao máximo de sua habilidade que é o cerne da atlética” (Associação
Atlética de Boston).
O filme “Sem Limites” (1998) relembra outro momento em
que a violência invadiu o mundo do esporte: o atentado nas Olimpíadas de 72.
Nos momentos de dúvida se o evento continuaria ou não, a personagem de Bill
Bowerman, fundador da Nike e um dos treinadores da equipe de atletismo dos EUA,
diz a seus corredores:
“Este
assassinato de atletas israelenses é um ato de guerra. E se há um lugar onde a
guerra não pertence, este lugar é aqui. 1200 anos. De 776 a.C. a 393
d.C, os atletas olímpicos abaixaram suas armas para fazer parte destes jogos.
Eles compreendiam que havia mais honra em vencer um homem derrotando-o em uma
corrida do que matando-o. Eu espero que a competição seja retomada, e se for,
vocês não devem achar que correr... ou fazer lançamentos... ou pular... é algo
frívolo. Os jogos eram a resposta que seus companheiros olímpicos tinham para a
guerra – competição, não conquista. Agora, esta deve ser a sua resposta.“
Exatamente por isto, a tragédia de Boston destoa
tanto. Não foi mais ataque aos EUA, não é mais uma “onda de terror”, foram
explosões anônimas em um espaço em que a honra e a vontade deveriam prevalecer.
Letícia Genesini
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