sábado, fevereiro 15, 2014

NÃO EXISTE RELAÇÃO SEXUAL



Por mais que se queira nunca haverá a justa relação, a perfeita acoplagem entre os amantes, pois sempre fica uma sobra

Jorge Forbes


Não existe relação sexual. Não, essa não é uma péssima notícia, é só uma provocação.
Foi com essa frase que o psicanalista Jacques Lacan tumultuou a sensibilidade da intelligentsia francesa nos anos 70. Claro que não faltou quem imediatamente dissesse que o famoso seguidor de Freud dizia isso porque estava avançando na terceira idade. Risos. Mas o fato é que essa aparente bobagem, nos impacta: -“Como assim, não existe relação sexual? O que quer dizer essa declaração esdrúxula?” Por mais estranha que possa nos parecer tal afirmativa, ela não o é aos nossos sentimentos. Se a nossa razão objetiva a repugna, a nossa razão sensível nos diz que há uma verdade nessa frase.
Revelemos o mistério: a frase não é para ser entendida como que não exista um encontro sexual entre dois parceiros que se querem, ela diz que por mais que se queira nunca haverá a justa relação, a perfeita acoplagem entre os amantes, pois sempre fica uma sobra. Semelhante a uma conta de dividir imperfeita que deixa um resto. Nenhum motivo para desespero, deixar um resto é animador, pois é o que incita a novas e repetidas tentativas. Se não existe a relação sexual, temos um motivo a mais de fazê-la existir, nem que seja por um breve momento que de tão fugidio nos deixa o gosto de quero mais, e mais, e mais. Lacan dizia encore, encore, encore, jogando com a homofonia da palavra francesa “encore” – ainda - com a expressão “en corps” - no corpo. Algo no corpo fica pedindo mais ainda.
A este aspecto da não existência da relação perfeita sexual, se soma outro, igualmente provocador: “Se já sei que algo não vai dar certo, para que insistir?” Assim pensa o esperto. Ele é um precavido do amor. Do lado homem, ele dissocia a atração sexual, de amor, diminuindo – assim imagina – a perda inevitável. Do lado mulher, ela pede tantas garantias para um futuro perfeito, que inviabiliza o presente que tem. Tão espertas quanto inúteis soluções. Fato é que uma boa dose de bobice é necessária a qualquer amante. Bobice porque apesar de saber que o erro faz parte do amor, isso não diminui o entusiasmo. Errou? Tenta de novo e de novo, sem medo de ficar bobo, sem medo de dizer: - “Você me deixa abobado”. E isso é bom.

Jorge Forbes é psicanalista. Artigo publicado originalmente na revista Gente IstoÉ, edição de janeiro/fevereiro de 2014

segunda-feira, fevereiro 10, 2014

ANTI-NELSON RODRIGUES


As peças de Nelson Rodrigues tratam da vida comum, da vida como ela é, com seus personagens iguais àqueles que conhecemos, com quem convivemos. A penúltima peça escrita por Nelson, “Anti-Nelson Rodrigues”, de 1973, não foge à regra. O título faz pensar que seja uma negação de sua obra, mas não a contradiz em nada.
Assisti à última apresentação da peça no Teatro de Arena, de São Paulo. Ela foi encenada pelo Grupo Tapa, sob a direção de Eduardo Tolentino de Araújo, um grande conhecedor da obra rodrigueana. A história gira em torno de Oswaldinho, um rapaz mimado, que não trabalha e vive às custas do pai, empresário de sucesso. Chega a roubar as joias da mãe para sustentar seus excessos, atitude que é totalmente compreendida e apoiada por ela.
Está armada a teia: um pai que não gosta do filho e é desautorizado pela mãe; a mãe que se afastou do marido e idolatra o filho, aceitando todas as condições para ser amada por ele; um filho que não se responsabiliza por nada, vive para conquistar uma nova mulher a cada dia e espera que o pai morra para se libertar, ter sua própria identidade. Tudo isso envolto na trilha sonora de um tango argentino – “A Media Luz”.
A questão do limite, da demanda de compreensão dos pais pelos filhos, faz parte do dia-a-dia de qualquer família. Esse silêncio entre pai/mãe e filho, tão necessário e difícil de ser suportado pelos pais, como já falou Jorge Forbes em vários textos, é uma falta escancarada na peça. Um pai e uma mãe não compreendem tudo, há sempre um ponto de incompreensão radical e é por esse não-saber que um filho pode inventar uma solução para a falta de garantia. Só por esse silêncio, por essa incompreensão, que ele vai conseguir lidar com a angústia da sua própria invenção. Mas, isso não acontece com o personagem da peça.
Oswaldinho quer ser nomeado diretor de uma das empresas do pai e sua mãe exige que o marido atenda esse pedido do filho. Assim que assume o cargo, engraça-se com uma moça “careta”, convida-a para ser sua secretária e decide que vai possuí-la a qualquer custo.
Os pais não deram limites a Oswaldinho, não deixaram que ele se deparasse com esse ponto de incompreensão radical –  a grande herança que um pai pode deixar ao filho. Porém, Nelson Rodrigues, e talvez por isso o título da peça, oferece-lhe uma saída. A menina finge que aceita uma soma exorbitante para se entregar ao rapaz, mas, na “hora H”, rasga o cheque e diz que se entrega a ele, não por dinheiro, mas por amor.
Essa cena final é surpreendente e traz uma nova trilha sonora: Roberto Carlos cantando Desabafo – “por que me arrasto a seus pés?; por que me dou tanto assim?; e por que não peço em troca nada de volta pra mim?”
É o diretor interpretando o dramaturgo. Bravo! 

Curta agora as músicas da trilha sonora da peça: